Pode entrar




‘’Pode entrar’’
Por: Junior Nodachi


Sempre vão entrando de macinho, alguns com olhos tristes, outros não, alguns com passadas rápidas e olhadas frenéticas, e outros não. Assim eles vão deslizando, em movimentos graciosos pela chaparia de metal do ônibus, deslizam feito bailarinos em um palco de madeira, deslizam feito um ator em um teatro do interior, deslizando e vão deslizando, envolvendo a plateia. Muitos têm histórias, muitos contam histórias, muitos têm dores, muitos contam as dores, outros não fazem nada. Mas uma coisa eles tem em comum, todos deslizam até o fim do ônibus.

Você vê aqueles olhinhos apertados e logo fica com pena da pobre pessoa, fica logo revoltado pelo drogado, mas sempre sobem, sempre sobem. Poderiam estar matando, roubando, mas estão morrendo, morrendo, ou se matando, ou até nos roubando, que não seja diretamente, intencionalmente, que não seja nosso dinheiro em si, mas sempre estão levando algo de nós. Alguns levam nossa atenção, outros nossos trocados, alguns levam nossa alegria, outros levam um punhado de moedas, um punhado. Alguns levam a falsa alegria de uma vida boa e prospera, a paz, a magia, o amor, o beijo da guria, o sono da preguiça da tarde. Eles sempre levam algo.

O discurso começa sempre do mesmo jeito: ‘’eu fui, eu era, eu sou, eu podia, eu estaria, por favor, uma ajuda, uma ajuda, ajuda, socorro, eu pedia’’. Eu quero acordar, e ver que tem alguém do meu lado, eu quero dormi, e dormi bastante, isso me ilude pra caralho, mas como vou cochilar e sonhar? Se eles deslizam e deslizam devagar, e sempre levam alguma coisa. E você se sente sujo, egoísta, um ser incompleto, um ser indigno de viver entre os outros, é Darwin, é a lei, é a vida, e assim tua pequena, bem pequena alegria diminui, depois se encolhe, e ainda se aperta até sumir do alcance de seus olhos. Ai você lembra, lembra-se das coisas boas de novo, da alegria do dia, da magia e do beijo da guria de novo. Por quê? Porque eles deslizaram pra outro ônibus, mas eles sempre levam alguma coisa e sempre deixam alguma coisa. O discurso começa sempre do mesmo jeito: ‘’eu fui, eu era, eu sou, eu podia, eu estaria, por favor, uma ajuda, uma ajuda, ajuda, socorro, eu pedia’’.

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