Um morto





‘’Uma morte ‘’
Por Junior Nodachi


Numa manhã qualquer de um mês qualquer, a porta se abria em um edifício qualquer da rua qualquer coisa. La estava ele, deitado, com a silhueta mórbida e os olhos abertos, parados. Suas mãos estavam presas na cabeceira da cama, presas com seu cinto e com um cadarço do seu sapato Oxford 43, que ganhou de sua filha no natal do ano passado. As pernas brancas cheias de pelos e a barriga inchada e dura de tanta cerveja e churrasco nos finais de semana lhe davam um ar sedentário, preguiçoso. O relógio marcava 09:35hs, o relógio branco com pulseira de alumínio brilhava na primeiras rajadas de sol que entrava no quarto abafado do Hotel Qualquer um, de três estrelas. As cortinas vermelhas eram puxadas lentamente pela paramédica. Junto dela no quarto ainda tinham mais dois paramédicos, três policias, o gerente do hotel, uma mulher que aparenta certo desconforto, e uma montanha de curiosos e repórteres na porta do quarto 406.
O corredor que normalmente era o recanto perfeito da camareira Odete fumar seu cigarro depois de limpar o primeiro quarto do dia, estava lotado, lotado como o metrô que ela tem que pegar todo dia as seis a sete da noite. Todos falando um por cima do outro. Ela nunca vera tantas câmeras juntas em um só lugar. Pensando bem teve aquela vez no casamento de sua irmã, mas em um quarto de hotel era a primeira vez. Ao continua olhar ela se perguntava se era nesse clima e com tantos aparatos que são filmados os filmes eróticos. Filmes que por sua vez habitavam bastante o quarto do filho. No entender dela seu filho poderia facilmente se tornar um belo critico de cinema um dia.

‘’Traga-me um café! ‘’ – foi o que um senhor engravatado gritou  pra ela quando passou pela mesma no corredor em direção ao quarto. Ela nem se móvel, não era paga pra pegar café pra ninguém, não pegava pra seu marido, iria pegar pra o marido das outras. Era uma orgulhosa. Cada pessoa no corredor tinha uma versão diferente do que tinha acontecido dentro do quarto 406. Alguns falavam em suicídio, outros em assassinato, ou overdose, ou até em grande encenação. Ninguém sabia ao certo quem era aquele senhor amarrado na cama, não sabiam quem era, mas sabiam que era um senhor, e pelas roupas jogadas no chão ela percebeu que não era um senhor qualquer. Não imaginaria seu marido passando a noite em um hotel vestido daquele jeito. E quanto tempo que ela não vai a um hotel com seu marido. José andava sempre ocupado, e chegava cansado demais pra propor uma diversão longe de casa. E hotéis pra ela lembrava trabalho então tratou de tirar logo isso da cabeça.  
- Diga Edgar, do que ele morreu?
- Não sabemos ainda, n motivos.
- Pelo menos podemos descartar homicídio, ou suicídio.
- Isso é só a pericia que vai constatar. Mas eu aposto vinte reais que foi algum problema no coração.
- Apostado. Acho que foi obra da mulher.  – E assim a equipe trabalhava, trabalhava isolando o local (o ‘’perímetro’’, adoravam essa palavra), acalmando os repórteres, e tratando de descobrir quem era aquele homem.

Já tinha sua carteira, ele se chama Qualquer Coisa Soares de Pascoa. E tinha qualquer coisa como profissão, e por sinal um cargo bem tanto faz. Sabiam também que eles estava com uma prostituta, ou uma garota de programa, cada um chamava a seu modo. A equipe técnica preferia ‘’ La puta’’, por algum motivo. Ela contara que foi um trabalho bem normal, nada diferente do que ela passava as noites fazendo, quando chegou ao quarto ele estava lá pra recebê-la na porta. Já estava de roupão, e com seu bigode preto que chama bastante atenção. Confessa que espera alguém mais novo dessa vez, mas nada lhe fugia do costume das noites. Era bastante comum pra ela esse tipo, velhos, homens de meia idade, solitários, alguns jovens às vezes, mas nem era tão nova mais. Disse que fez tudo que ele pediu, ele mandava, estava pagando, é assim que as coisas são. Ela fez o serviço completo, e tudo bem sujo, assim como ele pedia. Até a hora que ele pediu para amarrar ela, que por sua vez ela não deixou. Assim ele mudou a proposta, pedindo para ser amarado, e foi ali amarado mediante ao ato sexual que ela percebeu que ele já não se mexia, nem esboçava reação, foi quando ela chamou o gerente e toda essa aglomeração começou.

A mulher continuava sentando na cadeira, e não conseguia tirar os olhos daquele corpo que ali se encontrava. Não era nem de longe mais perturbador do que metade das coisas que ela já vira nas noites. Mas a situação tinha tomado um rumo que lhe assustava. Ela era a prova viva de que sempre sobra para o lado mais fraco da corda, e esse lado era ela, isso a deixa em uma concentração acima do normal, a deixava atenta a todos os detalhes da sala. Mas o que realmente lhe incomodava era o fato daqueles repórteres sangue sujas estarem ali se aproveitando de sua desgraça, provavelmente se promovendo sobre suas ruinas.   E estavam mesmo, entre um novato no ramo, André Nunes, aluno muito aplicado, e na segunda semana de trabalho ao lado do promissor repórter do Noticias da cidade, Arnaldo Santos. Um ícone, quase um ídolo do jornalismo local de impacto.

E mediante ao encontro, a reunião de profissionais naquele quarto, lá estava ele, deitado olhando pra cima, com um sorriso ainda na cara, bem embaixo do seu bigode preto e volumoso, a bebida ainda estava no criado-mudo, e o charuto ainda estava em sua mão, entre seus dedos. E de lá a cena se emoldurava, se pintava, se eternizava no flash das câmeras de nova e velha geração. Cenas paradas. Que na manhã seguinte ganharam a capa do Noticias da cidade, com direito a duas folhas de centro falando sobre o assunto. Uma foto de seu sorriso, e uma de quadro geral. Todas embaixo de um belo trecho, um belo titulo, que até opobre bigodudo parecia se agradar bastante. Morreu, nem chegou a acordar... ‘’Morreu como todo homem deveria morrer, Morreu fudendo!’’.         
          

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