Felicidade






— Espelho, espelho meu, diga-me se há no mundo uma pessoa mais bela do que eu. 
E o espelho respondia: 
— Em todo o mundo, meu querido rei, não existe beleza maior. 
O tempo passou.
— Espelho, espelho meu, diga-me se há no mundo pensamentos mais belos do que os  meus. 
E o espelho respondia: 
— Em todo o mundo, meu querido rei, não existe beleza maior. 
O tempo passou.
E com o tempo, o rei criou em dentro de seus salões, um mundo só dele, a cada parede do castelo, uma barreira para proteger a sua alteza. Mentia para si sobre felicidade, amigos, amores, sobre sua segurança. Protegeu seu coração com um fosso, sua mente com os guardas, ergueu lanças e se trancou atrás das grossas portas de madeira. Acendeu a lareira e lá ficou, seguro, no seu mundo, no seu castelo. 
Era feliz, era amado, desejado, todos do castelo o ajudavam, e todos de fora o queriam, aceitavam sua opinião, respeitavam, ele vivia na crença de uma felicidade que jamais existiria para alguém que não fosse tão belo quando ele. Era o justo, era o que ele merecia por ser um rei tão maravilhoso, tão seguro e tão belo. E logo, toda tarde, enchia seu coração de felicidade e perguntava:
— Espelho, espelho meu, diga-me se há no mundo uma pessoa mais bela do que eu. 
E o espelho respondia: 
— No seu reino, o mais belo é você; mas Dona Neves é a mais bela do mundo. 
Louco de raiva, esmurrou o espelho, deixando-o em cacos. O rei saiu apressado em direção ao centro do reino. Desceu todas as escadas, abriu as portas e empurrou os guardas, desceu a ponte sobre o fosso e se manteve correndo. Lá chegando, ao ver Dona Neves, sofreu um ataque: o coração explodiu e o corpo estourou, tamanha era sua ira. Tamanha era sua raiva, tamanha era sua dúvida, tamanho era o seu medo, tamanha sua dor, tamanho era seu frio, tamanho era seu desespero.

O rei, com a cabeça confusa, pegara um pedaço de espelho de dentro das suas vestes reais e perguntara:
 — Espelho, espelho meu, diga-me se há no mundo uma pessoa mais confusa do que eu. 
— Em todo o mundo, meu querido rei, não existe maior. 
O tempo passou.
Porém, enquanto o rei agonizava sobre sua felicidade que jorrava da cratera do seu peito, os festejos não cessaram um só instante. Dona Neves, e os anões, convidados de honra, comeram, cantaram e dançaram três dias e três noites. Depois, retornaram para sua casinha e sua mina, no coração da mata. 



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